Ecotoxicologia no Monitoramento da Qualidade das Águas e Como Instrumento de Perícia Ambiental
Entenda mais sobre Ecotoxicologia
Publicado em 20/11/2020
As análises ecotoxicológicas de águas superficiais permitem prever, detectar, qualificar e quantificar o(s) efeito(s) agudo(s) e/ou crônico(s) provocado(s) por uma amostra aos organismos teste. Dentre os efeitos, ou “endpoints”, mensurados pelos diversos ensaios ecotoxicológicos estão: mortalidade, motilidade, desregulação endócrina, alteração na taxa de crescimento ou morfológica, comprometimento reprodutivo, etc. (ADAMS; GREELEY, 2000; MARTINEZ-HARO et al., 2015; BOGER et al., 2016). Tais efeitos são detectados e quantificados por meio da realização de testes de toxicidade que consistem na exposição de organismos teste, cuidadosamente selecionados e cultivados, à amostra ambiental sob condições controladas (pH, OD, fotoperíodo, temperatura, etc). Desse modo, os resultados obtidos por meio desses ensaios refletem os efeitos sinérgicos provocados pelas substâncias tóxicas que podem estar presentes em um determinado ambiente ou amostra.
A ecotoxicologia como ferramenta de investigação na mensuração de impactos ambientais pode ser grande aliada em perícias relacionadas à ocorrência de eventos que impactam a fauna. Afinal, tais análises permitem a detecção e quantificação dos efeitos tóxicos agudos e crônicos, que estão relacionados à presença do rejeito no rio e seus sedimentos, sobre a fauna aquática, de maneira a contribuir para a elucidação do modo de ação dos poluentes.
Adicionalmente, a análise da qualidade da água apenas com base nos parâmetros físico- químicos não reflete o quadro ecológico dos corpos d’água, sendo essencial o monitoramento dos parâmetros ecológicos e ecotoxicológicos para complementar as informações obtidas a partir dos parâmetros físico-químicos (ADAMS; GREELEY, 2000). De maneira a contribuir para a integridade ambiental das águas europeias, a DIRETIVA WFD 2000/60/EC impõe o monitoramento simultâneo dos parâmetros ecológicos e ecotoxicológicos desde o ano de 2000 (UE, 2000). Similarmente, análises de toxicidade total dos efluentes lançados nos corpos d’água são obrigatórias desde 1991 nos Estados Unidos (USEPA, 1991).
O monitoramento da qualidade da água por análises ecotoxicológicas, objeto da presente pesquisa, é de extrema importância no contexto de ocorrências ambientais como o rompimento de uma barragem. Os testes ecotoxicológicos visam à avaliação da toxicidade de um poluente, uma mistura de poluentes ou de uma amostra ambiental, para que se possa compreender e quantificar o efeito provocado e o risco apresentado por eles aos organismos aquáticos em diferentes níveis tróficos (MARTINEZ-HARO et al., 2015; WERNERSSON et al.,2015).
Análises ecotoxicológicas podem ser realizadas in vitro ou in vivo por meio da exposição de uma célula ou organismo teste à amostra avaliada (água superficial, efluente bruto ou tratado, solução sintética, rejeito de mineração, água contaminada com efluente ou rejeito, etc.) por tempo padronizado e em condições definidas (pH, temperatura, oxigênio dissolvido). Desse modo, é possível detectar tanto a toxicidade aguda, – aquela para a qual o efeito é detectado em horas (24, 48, 96h), – quanto a crônica – quando o efeito é observado em algum momento ao longo do ciclo de vida do organismo teste (MAGALHÃES; FERRÃO-FILHO, 2008).
Existem diversos ensaios de toxicidade aguda e crônica já padronizados pelas normas internacionais (ISO), e os mais comumente utilizados para amostras de água e efluentes e são o ensaio de Microtox®, que avalia a toxicidade aguda para a bactéria marinha Allivibiro fischeri (ISO, 2007; ABNT, 2012), e os testes de toxidade aguda (48 horas) e crônica que utilizam o crustáceo Daphnia magna (21 dias) ( ISO, 2012; ABNT, 2016a;) ou Ceriodaphnia spp. (7 dias) (CETESB, 2017). Os testes de toxicidade aguda têm como principal resultado a CE50 - concentração que causa efeito a 50% da população. Enquanto os ensaios de toxicidade crônica permitem a quantificação da Concentração de Efeito Não- Observado (CENO) – concentração máxima que não causa efeito - e da Concentração de Efeito Observado (CEO) – concentração mínima que causa efeito. A aplicação ambiental da CENO consiste na sua adoção como concentração segura para determinado poluente no ambiente e na avaliação dos impactos ambientais provocados a longo prazo por determinados poluentes (MAGALHÃES; FERRÃO-FILHO, 2008).
No que diz respeito à legislação nacional, a resolução CONAMA 357 de 2005 exige a ausência de toxicidade crônica em águas de Classe 1 e 2 e de toxicidade aguda para as águas de classe 3 e prevê a realização de testes de toxicidade para substâncias que não estejam no escopo da legislação. Entretanto, não há definição dos ensaios de toxicidade que devem ser utilizados no monitoramento (CONAMA, 2005). A CONAMA 430 de 2011, que dispõe sobre o padrão de lançamento de efluentes, estabelece a realização de ensaios ecotoxicológicos no efluente e no ponto de mistura do corpo receptor para pelo menos dois níveis tróficos distintos (CONAMA, 2011), sem contudo especificar o tipo de ensaio.
O efeito carcinogênico dos mais diversos contaminantes na água, incluindo metais, pode ser avaliado por meio de ensaios in vitro, como nos testes de carcinogenicidade. Essa avaliação é fundamental no sentido de determinar o efeito desses contaminantes a longo prazo, pois os mesmos não são imediatos e os mecanismos biológicos, como bioquímicos e genômicos, envolvidos são de extrema complexidade. Porém, considerando que os testes para avaliação da carcinogenicidade demandam tempo e são extremamente onerosos, os testes para avaliação da mutagenicidade e genotoxicidade são mais empregados, pois determinam o potencial carcinogênico da amostra (HARTWIG et al., 2002; ASMUSS et al., 2000; CHEN & WHITE, 2004; GOODSON et al., 2015; UMBUZEIRO et al., 2017). O emprego de testes validados por guidelines internacionais, como os da OECD (Organization for Economic Co-operation and Development), são recomendados e aplicados para essa finalidade.
Os estudos ecotoxicológicos foram realizados diante das recentes ocorrências de rompimentos de barragem de mineração de minério de ferro no Estado de Minas Gerais no período de 2015-2019. As análises foram realizados no sentido de quantificar os impactos decorrentes desses eventos nas bacias atingidas e contemplaram tanto a análise ecotoxicológica de amostras de água superficial quanto do rejeito, de sedimentos dos rios atingidos pelos rompimentos e nas bacias impactadas pela atividade minerária intensa. Tais estudos utilizaram ensaios realizados com organismos de diferentes níveis tróficos e métodos in vitro e in vivo, assim como os ensaios que estão sendo realizados na presente pesquisa.
Desse modo, a utilização de diferentes ensaios ecotoxicológicos em diversos níveis tróficos, associada a uma caracterização físico-química das amostras ambientais, torna-se imprescindível para a obtenção de respostas seguras e precisas quanto ao efeito ecotoxicológico de um episódio de contaminação ambiental.
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