Avaliação das condições de saúde das pessoas em contextos de desastres
Publicado em 29/10/2020
No dia 25 de janeiro de 2019 aconteceu um dos mais graves desastres envolvendo barragens de minério do mundo: o rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Durante todo o caminho percorrido pela lama de rejeitos, residências, áreas de criações de animais, plantações diversas e comunidades que baseiam sua sobrevivência utilizando-se dos recursos ambientais existentes (rios, solos e matas) foram afetadas diretamente. As perdas humanas, como consequência direta do desastre, totalizaram 259 pessoas e 11 pessoas permanecem ainda desaparecidas, segundo dados atualizados pela Defesa Civil Estadual de Minas Gerais, em 28 de dezembro de 2019.
Além de diversas perdas humanas causadas pela tragédia, há também o impacto imediato (em curto prazo) na saúde física e psicossocial das pessoas devido às consequências ambientais, econômicas e sociais ocasionadas pelo desastre e sentidas pelas populações próximas à área da barragem. Verifica-se também que a médio e longo prazo as condições de vida e de saúde das pessoas podem ser alteradas devido ao impacto dos ecossistemas pelo desastre. A partir disso, surge a necessidade de monitorar os efeitos pessoais, ambientais e econômicos ao longo dos meses e anos que seguem o evento do rompimento da barragem em toda a extensão territorial atingida, assim como de outros municípios próximos ao local do desastre.
A epidemiologia de desastres se insere neste contexto, já que se refere ao estudo dos efeitos e impactos de desastres ambientais sobre a saúde das populações afetadas, a partir da descrição de tais efeitos e também do conhecimento de quais fatores contribuem para que eles aconteçam. Os resultados dos estudos epidemiológicos são importantes, uma vez que permitem:
- Avaliar as necessidades das populações afetadas pelo desastre;
- Realizar o planejamento e a orientação adequada dos recursos públicos disponíveis para suprir tais necessidades;
- Prevenir outros possíveis efeitos adicionais à saúde;
- Avaliar a efetividade das ações de mitigação;
- Planejar ações para enfrentar outros possíveis futuros desastres.
Além disso, conhecer os processos de adoecimento e morte, os diferentes tipos de traumas e doenças causadas por desastres, é essencial para direcionar de maneira eficiente os recursos públicos para aliviar os impactos na saúde das pessoas afetadas.
Coleta de dados e vigilância epidemiológica
As informações necessárias para a realização de tais estudos podem ser coletados por meio de dados obtidos diretamente pela população (estudos epidemiológicos primários) ou por meio de bases de dados já existentes (estudos epidemiológicos secundários), estes frequentemente utilizados na vigilância epidemiológica. Como o próprio nome diz, a vigilância epidemiológica corresponde a coleta, análise e interpretação frequentes de dados relativos à saúde das pessoas, de forma a monitorar as condições de saúde atuais de determinado grupo populacional. Além disso, a vigilância epidemiológica é importante para identificar padrões e tendências, e avaliar a efetividade das intervenções do poder público e da sociedade civil na morbimortalidade da população afetada (índice de pessoas mortas ocasionadas por determinada doença dentro de um grupo populacional).
Impactos na saúde das pessoas causados pelos desastres
Estudos epidemiológicos demonstram que os desastres ambientais, como é o caso do desastre da Vale em Brumadinho, impactam diretamente na morbimortalidade da população atingida. São observados o crescimento de doenças infecciosas e virais de veiculação hídrica e transmitida por vetores (dengue, zika e chikungunya), o aumento do número de mortes em geral, bem como de internações por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como por exemplo a doença cardiovascular e o acidente vascular cerebral (AVC). Tais impactos têm sido explicados pelo efeito sinérgico sobre a saúde do estresse físico e psicológico decorrente das perdas humanas e materiais, agravado pelo colapso do sistema de saúde pós-desastre.
O impacto de desastres ambientais na saúde da população pode se prolongar por muitos anos, especialmente quando envolve materiais de origem química como os metais pesados presentes nos rejeitos de mineração que foram despejados no meio ambiente devido à rompimentos de barragens, assim como aconteceu no desastre da Samarco em 2015, na cidade de Mariana (MG), e no desastre da Vale em 2019, em Brumadinho (MG). Conforme relatório do Ministério da Saúde, a saúde é afetada diretamente pelo contato da população afetada com a lama de rejeitos, com a água contaminada ou com a poeira resultante da lama seca, e indiretamente pela perda de bens materiais e seu consequente impacto financeiro e psicológico, pelo comprometimento no abastecimento de água, redução ou inviabilização de meios de subsistência como pesca e agricultura, além das atividades de lazer. Para identificar tais impactos, é necessário ampliar e aprofundar a estratégia de vigilância em saúde já existente no Brasil, incluindo nela indicadores específicos e sensíveis para detectar tais impactos a curto e a longo prazo.
As condições de saúde das populações expostas, direta ou indiretamente ao rompimento da Barragem I da Mina “Córrego do Feijão”, em Brumadinho, precisam ser avaliadas e monitoradas de forma específica e adequada para identificar os agravos à saúde decorrentes da exposição aos inúmeros riscos ambientais, sociais e econômicos relacionados ao desastre ocorrido. Nesse sentido, os subprojetos 37 e 38 do Projeto Brumadinho UFMG têm como objetivo geral avaliar e monitorar a morbimortalidade nos municípios afetados pelo rompimento da barragem, em Brumadinho, e determinar as condições de saúde das populações e do uso dos serviços de saúde neste municípios de referência.
Conheça mais sobre o subprojeto 37 e o subprojeto 38!